sábado, 2 de agosto de 2008

UM POUQUINHO DE HISTÓRIA DO BRASIL... Parte I

CHEGADA DA FAMÍLIA REAL DE PORTUGAL
Rio de Janeiro, 7 de março de 1808. A nau Príncipe Real Acaba de fundear; o Vice-Rei e nobres se aproximam para ir a bordo. A nau inglesa Marlborough e o Forte de Villegaignon disparam uma salva.
Pintura de Geoff Hunt, R.S.M.A. - Coleção Particular de Kenneth H. Light


A TRANSMIGRAÇÃO DA FAMÍLIA REAL DE PORTUGAL - 1807-1808

Por: Dr. Kenneth H. Light
Sócio da British Historical Society of Portugal
Sócio-Correspondente do Instituto Histórico de Petrópolis
Diretor da Sociedade de Amigos do Museu Imperial - Petrópolis
Diretor da Sociedade de Amigos do Palácio Rio Negro – Petrópolis

A viagem que vamos descrever foi mais uma decisão sábia do grande estadista D. João a qual, apesar de complexa e perigosa, sob a sua liderança, resultou em êxito total. Tão sábia foi esta decisão que a Família Real espanhola tentou copiá-la, porém sem sucesso. As conseqüências positivas para Portugal, Brasil e Inglaterra foram inúmeras. Apenas a França lamentaria o evento.

Mesmo aceitando a importância desta viagem,até recentemente poucos detalhes eram conhecidos e, mesmo assim, quase sempre descritos por quem se encontrava em terra. Inúmeras dúvidas permaneceram sem resposta. Por exemplo: o que causou a Família Real a se separar, logo no início da viagem? Porque a Família Real aportou em Salvador, quando seu destino era o Rio de Janeiro? A falta de documentação impediu historiadores, nesses quase dois séculos, de responder essas e outras perguntas.

Esta apresentação, tornou-se possível, pois reflete o conteúdo de uma nova fonte primária. Consiste ela, na análise dos livros de quartos das naus britânicas que bloqueavam o Tejo, em novembro de 1807, e que acompanharam a Esquadra portuguesa na sua jornada; também nos relatórios dos capitães ingleses durante e ao término da viagem.

A perspectiva, portanto, muda por completo; agora temos informações sobre o que estava acontecendo no mar. Os registros escritos enquanto velejavam, são muito detalhados e precisos; podemos confirmar algumas informações previamente conhecidas, desmentir outras e, através de muitos dados novos, reconstruir a jornada.

Em 1995, terminada a pesquisa e a interpretação dos livros de quartos, redigidos muitas vezes debaixo de tempestades no alto mar e usando uma linguagem da época enriquecida pelo vocabulário peculiar da Royal Navy, publiquei uma transcrição destes livros, como também os relatórios de viagem, do Capitão Walker, que comandou a Bedford até Salvador e depois ao Rio de Janeiro, e do Moore, Capitão da Marlborough e Comodoro do Esquadrão britânico. No ano que vem esperamos publicar, enriquecido por contribuições de eminentes historiadores portugueses, um relato destinado ao grande público.

* * *

Mesmo após a batalha de Trafalgar, em 1805, quando o Esquadrão Britânico conseguiu dominar os mares e evitar a invasão da Inglaterra, Napoleão não desistiu. Com o tratado de Berlim, de 1806, a França tentava vencer a Inglaterra por meio econômico, impondo o bloqueio continental. Portugal não aderiu ao bloqueio assim, em 1807, a França decidiu impor-se. Inicialmente pelo Tratado de Tilsit e, mais tarde, Fontainebleau, o caminho para ocupar Portugal, como Napoleão tinha feito em tantos outros países, estava aberto.

Em vista das possíveis conseqüencias desta política, D. João iniciou a discussão sobre uma estratégia alternativa que, muitas vezes no passado, tinha sido examinada sempre que uma crise viesse a abalar o país -
a transferência da Família Real, corte e capital para o outro lado do Atlântico, para o Brasil. Desta vez, seria diferente; a estratégia não só seria amplamente debatida, mas também implementada!

Seriamos injustos com D. João, se não mencionássemos as dificuldades que ele enfrentou na tentativa de alcançar as metas que tinha intimamente estabelecido. A sua equipe era composta de homens inteligentes, porém com idéias e atitudes muitas vezes conflitantes.
No seu próprio Conselho de Estado, existia a divisão entre francófilos, liderados por D. António de Araújo de Azevedo e anglófilos, liderados por D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Sua sapiência, possibilitou a extração daquilo que cada um tinha de melhor a oferecer, para o bem da nação.

Os ministros, em Paris – D. Lourenço José Xavier de Lima, e em Madrid – D. Ayres José Maria de Saldanha Coutinho Mattos e Noronha, 2º Conde da Ega, pareciam ter-se deixado encantar por Napoleão, o que fez com que eles se tornassem muito mais
um obstáculo do que um recurso. Mais tarde, ambos se deram mal – Justiça divina? Para escapar dos seus credores franceses D. Lourenço teve, com permissão do Príncipe Regente, procurar imunidade diplomática junto ao ministro em Londres, o Conde (futuro Duque) de Palmela; enquanto o Conde da Ega foi, em 1811, condenado à morte e destituído de todos os seus bens e honrarias. Em 1823 esta sentença foi revogada. Foi por essas e outras ações que D. João entrou para a história com o cognome de o Clemente.

Organizar uma viagem levando uma corte inteira para o outro lado do mundo e ainda, sem transparecer o que estava acontecendo, não foi uma tarefa fácil nem pode ser realizada de um momento para outro. Existem fortes evidências que, em agosto de 1807, D. João raciocinou de que sua melhor opção seria a transferência da Família Real e corte para o Brasil. Os preparativos então começaram: mandou aprontar as naus Afonso de Albuquerque, Medusa e Conde D. Henrique, que se encontravam em Lisboa; ordenou ao Esquadrão, que se ocupava em proteger a frota mercante de piratas nos Estreitos de Gibraltar, a voltar ao Tejo. Iniciou negociações com a Grã-Bretanha que culminaram com o Convênio que foi assinado, a 22 de outubro; a nação que dominava os mares escoltaria a Esquadra portuguesa na sua jornada. Enviou ao Brasil, em 7 de setembro, o Gavião, um bergantim de 22 peças e tripulação de 118 homens, comandado pelo Primeiro-Tenente Desidério Manuel da Costa, com ordens ao Vice-rei para suspender a partida de navios mercantes; e, finalmente, desenvolveu-se a discussão sobre o envio ao Brasil do filho, D. Pedro; provavelmente uma estratégia para despistar os preparativos.

Lorde Strangford, então com 28 anos, Ministro Interino na ausência do Ministro Plenipotenciário Lorde Robert FitzGerald, reportou aos seus superiores após entrevista, em Mafra a 25 de setembro, "…todos os sentimentos de religião e dever proibiam-no de abandonar o seu Povo até o ultimo momento, e até que esforços tivessem sido feitos para salvá-los e para justificar-Se perante Deus e o Mundo; que em caso extremo ele tinha decidido retirar-Se para Seus Domínios Transatlânticos ….".

Em Lisboa com a retirada dos representantes da França e da Espanha, a pressão aumentou. Boatos que um Exército francês preparava-se para invadir Portugal forçou D. João, muito contra a sua vontade, a aprovar medidas contra os súditos Britânicos. Strangford retirou as armas do prédio que ocupava e, na tarde de 18 de novembro, acompanhado por auxiliares e os arquivos transferiu-se para a nau London.

Na Inglaterra os termos do Convênio assinado com Portugal começaram a ser implementados. Em 11 de novembro um Esquadrão, sob o comando do Contra Almirante de pavilhão azul Sir Sidney Smith, partiu da base de Plymouth.

Em 16 do mesmo mês, o Esquadrão encontrava-se a postos patrulhando a foz do Tejo. As notícias de Lorde Strangford com evidências inequívocas de hostilidades, fez com que fosse declarado o bloqueio do Tejo. Todos os navios estrangeiros seriam revistados e aqueles de nacionalidade francesa ou espanhola, apreendidos.

Em Lisboa, o Cônsul-geral Mr. Gambier, tentava liberar os prisioneiros de guerra britânicos. Em 21 de novembro partiu num brigue português e juntou-se ao Esquadrão. Desde o dia 9, o Príncipe Regente havia confirmado a nomeação, por Lorde Strangford, de John Bell, para desempenhar as funções de: "…agente para prisioneiros de Guerra britânicos…".

Continua...


Cortesia do Site Oficial da Casa Imperial do Brasil
http://www.monarquia.org.br/home.html

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